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Teu corpo // meu corpo 

 

Alexandre Sá

Curadoria Fernanda Pequeno

Exposição . Ação

Em sua última exposição individual, Alexandre Sá optou por não realizar performances, apesar de ser um suporte que vem explorando há quase duas décadas. No caso da mostra solo que ocupa a Galeria Reserva Cultural, a mesma constitui-se de um único trabalho performático. 

Teu corpo // Meu corpo propõe a ação do corpo, o diálogo com o público espectador e a escrita dele resultante como instauradores de cumplicidade. A partir da utilização de um mobiliário que facilita a instauração de um espaço de acolhimento, frases propositivas de ações realizáveis ou não, improváveis, utópicas ou mesmo impossíveis passam a integrar a mostra, que é ativada a cada nova realização da ação por parte do artista ou pela atuação espontânea do público.

O trabalho vem sendo realizado desde 2015 e já integrou mostras coletivas no Rio de Janeiro e em Brasília. A cada nova montagem, a partitura que direciona a sua realização é atualizada e novas camadas de mediação e de significados são incorporadas. Mudanças subjetivas, espaciais e estruturais, do sistema artístico, do público, do ambiente circundante e do cenário político modificam os encontros, assim como os silêncios e as frases deles advindos. E muito embora Alexandre Sá possa realizar a ação sozinho, a mesma se adensa quando os espectadores se engajam na proposta. Nesse sentido, não podemos deixar de apontar certa tradição artística que, no Brasil, mobiliza a participação do espectador para a ativação dos trabalhos. 

Não é incomum que performances façam uso de partituras, instruções ou manuais que direcionam a realização das ações por parte do artista ou do público. Body Pressure(Bruce Nauman, 1974) nunca havia sido exposta até que Marina Abramovic a apresentou no Guggenheim Museum, em Nova York, em 2005. A performance é endereçada ao público na forma de uma folha de papel, como uma espécie de manual de instruções de como lidar com o espaço e o corpo: “Deite-se no chão, pressione seu corpo contra o chão, estique o braço em direção à parede, sente-se em um canto”.[1]

Tino Sehgal, em proposição para o projeto Do it do curador Hans Ulrich Obrist atesta: “You are already doing all of it”.[2]Do itcomeçou em 1993 com uma discussão entre o curador Hans Ulrich Obrist e os artistas Christian Boltanski e Bertrand Lavier. Deste encontro surgiu a ideia de uma exposição de descrições do tipo faça-você-mesmo ou instruções processuais que, até que um local seja encontrado, existem em condições estáticas. O projeto decorre de um modelo de exposição aberta e in progress constituída de instruções que podem abrir espaços vazios para a ocupação e invocar possibilidades para as interpretações e reformulações de obras de uma maneira mais livre.

Em Regras para o parque humano, Peter Sloterdijkafirma que a escrita instaura uma comunidade. As práticas de leitura e de escrita promoveriam, assim, a atitude paciente e educada, além de uma predisposição ao diálogo. Em Teu corpo // Meu corpo, a cumplicidade se dá através da escrita resultante da partilha de tempo, espaço e alguma disponibilidade. A cada nova configuração espacial e institucional, assim, reafirma-se a instauração de um “espaço protegido entre o eu e o tu”, como propõe o artista. 

Fica claro, assim, que a cada realização, as relações com o público e o confronto com o panorama político geram novas demandas e, portanto, outras frases. E essa escrita tem “o poder de transformar o amor ao próximo ou ao que está mais próximo no amor à vida desconhecida, distante, ainda vindoura”[3]. Que haja fôlego para que as propostas de ação não cessem e que a vida se reafirme através de vozes múltiplas de eus, tus, meus e teus corpos que constituem possibilidades de nósmais abertas e plurais.  

Fernanda Pequeno, agosto de 2019.

"Não denegar a fragilidade resultante da desterritorialização desestabilizadora que o estado estranho-familiar promove inevitavelmente." 

Suely Rolnik 

 

“Quando o homem encontra seu semelhante, rodeia-o com o olhar experimentando, nesse momento, a sua visão como uma tensão de caras e perfis. As caras para as quais palpita, e toda a sua palpitação, são-lhe devolvidas em espelho, num redemoinho de asas batentes.”

Jacques Lacan 
 

1. Sem ensaio nenhum o performer senta na cadeira.

2. Pensa em um conjunto de ações que poderia realizar no espaço. Poderia. Apenas.

3. Olha para alguém. Caso não haja público/espectador procura alguém disponível no espaço. Caso não haja ninguém, continua a ação sozinho. Isso não é problema algum. Nunca.

4. Caso haja alguma pessoa disponível, ambos conversam sobre eventuais ações possíveis a serem realizadas em dupla, individualmente ou em conjunto.

5. As ações são negociadas e escritas nas folhas de papel A4. 

6. Caso haja uma parede, prega os papéis na parede. Caso contrário, deixa os papéis caírem no chão.

7. Tais ações jamais serão realizadas na concretude obtusa dos fatos. Trata-se de um acordo silencioso e íntimo. E exatamente por isso nenhum registro de vídeo é permitido.  

8. Não há limite de tempo para as negociações entre performer e outrem.

9. A performance termina de acordo com o cansaço físico do performer + pró-labore disponível. Eventualmente outras sessões ao longo da exposição poderão ser anunciadas.

10. A duração mínima, à despeito das condições físicas, estruturais e financeiras é de 120 minutos.

11. A performance não deve ser anunciada ao público. A performance deve fugir do seu devir-espetacularização.

12. Os resíduos ficam no espaço. 

13. Tal performance pode ser realizada quantas vezes forem necessárias.

14. Para a edição em Niterói, só é possível a compra do conjunto de todas as folhas escritas após a segunda performance. Tal material é reunido em embalagem específica com paradoxal certificado de autenticidade. O conceito da ação e suas relações estruturantes não estão à venda nesse momento. Exceto o resultado simbólico, semântico e gráfico impresso na memória do papel. 15% do valor total destinado ao artista será doado para alguma instituição de apoio ao autismo.

15. Caso o trabalho seja vendido, todas as exibições posteriores precisarão ser fartamente documentadas e as imagens enviadas ao autor/propositor/objeto-a-rtista.

16. Aláfia

 

Alexandre Sá, agosto de 2019. 

 

[1]MELIM, Regina. Performance nas artes visuais. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. P. 44.

[2]Em livre tradução: Você já está fazendo tudo isso.

[3]SLOTERDIJK, Peter. Regras para o parque humano. São Paulo: Estação Liberdade, 2000. P. 10.

 

MINI BIO

 

Alexandre Sá vive em Niterói. É artista, curador e crítico de arte. Pós-doutorando em Filosofia pelo PPGF-UFRJ sob supervisão de Rafael Haddock Lobo. Pós-doutor em Estudos Contemporâneos das Artes pela Universidade Federal Fluminense sob supervisão de Tania Rivera. Doutor (2011) e mestre (2006) em Artes Visuais pela Escola de Belas-Artes da UFRJ, tendo sido orientado por Glória Ferreira. É atual diretor e professor do Instituto de Artes da UERJ, além de professor do Programa de Pós-graduação em Artes da mesma instituição. É um profissional híbrido que trabalha com diversas linguagens (performances, instalações, textos críticos e vídeo) e a particularidade de sua pesquisa plástico-teórica são as relações entre o texto, a imagem, a poesia, o corpo e a psicanálise. 

 

TEU CORPO//MEU CORPO

Galeria Reserva Cultural

Av Visconde do Rio Branco, 880 – São Domingos – Niterói

Abertura: 24 ago 16h

Performance: 14 set a partir das 16h

Visitação: 25 ago a 18 set das 12 às 22h

Coordenação Vilmar Madruga

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